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Q&A Runners Brasil

Q&A Runners Brasil – Djalma Moura

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“É preciso acessar a força interna que existe em cada um de nós”. Palavras de quem já se colocou em situações extremas, se desafiou em lugares inóspitos e inimagináveis (para muitos) de que se é possível fazer uma das coisas que mais ama na vida: correr! Djalma Moura, de 66 anos, sabe explicar muito bem o que é viver e colecionar momentos e experiências. O pernambucano, morador de Florianópolis há mais de 40 anos, gosta mesmo é dos extremos, tanto é, que recebeu o título de atleta mais rápido do mundo acima de 61 anos na Antarctic Ice Marathon, em 15 anos de existência da prova. Mas essa é apenas uma das suas conquistas. O homem do gelo, ou melhor, Djalma Iceman, como é conhecido, já participou de uma das maratonas mais altas e difíceis do mundo, e correu sete maratonas em sete dias. Histórias que vão ser todas contadas em um livro, mas o ultramaratonista conta os detalhes antes, para os leitores da Runners Brasil. Acompanhe!

Sabine Weiler: Qual motivo te levou a correr e quanto tempo já faz isso?                    

Djalma Moura: Na época, os problemas de saúde da minha sogra juntamente com meu hábito de assistir à Corrida Internacional de São Silvestre pela TV – a mais tradicional prova de corrida do Brasil – fizeram-me refletir sobre o que eu poderia fazer para usufruir de saúde e uma melhor qualidade de vida nos anos que viriam. Então, há quase 20 anos tomei a decisão de praticar a corrida com constância.

Sabine: É possível ainda contar quantas provas já correu?                                                                       

Djalma: Já perdi as contas! Foram inúmeras corridas de 5km, 10km, 15km, 18km, 21km, uma maratona em dupla com minha esposa e mais de 17 maratonas no Brasil e exterior. Corri também provas de trilha (trail run) e ultramaratona. Na campanha solidária Kms Pela Doação de Órgãos 2020, no mês do “Setembro Verde”, conclui 1.011km, que foram doados para várias instituições beneficentes.

Sabine: Diante de um currículo esportivo que o senhor tem, qual foi a prova que mais te marcou? Por quê?                                                                         

Djalma: A prova que mais me marcou foi a maratona do gelo na Antártica, a Antarctic Ice Marathon, prova que está no livro do Guinness World Record como a maratona mais ao sul do planeta, no local conhecido como Union Glacier a mais de 3.000km do continente sul-americano. Como eu não tinha a cultura do frio, tudo teria que dar certo naquele momento com sensação térmica de -30°C e era a minha estreia em maratona extrema, para correr numa superfície de gelo. Procurava cumprir aqui em Florianópolis as planilhas semanais programadas pelo meu orientador e técnico professor Roberto Lemos. Apesar das câimbras no final da maratona, do forte vento gelado e da falta de visibilidade (óculos congelou) e outras dificuldades, conclui a prova numa boa classificação tornando-me o atleta mais rápido do mundo acima de 61 anos na Antarctic Ice Marathon em 15 anos de existência dessa prova. Essa maratona foi marcante para mim e tem um significado grande, pois foi a minha estreia em provas extremas e onde eu conquistei o título mencionado. A Antártica é o continente mais alto, mais frio, mais ventoso e seco do planeta.

É preciso respeitar muito esse ambiente, ainda quase intocável, sob pena de ter que pagar um preço alto em termos de lesão, como por exemplo, frostbite – queimadura causada pela exposição ao frio extremo, em alguns casos tem que amputar parte do corpo.

Sabine: O seu nome também está marcado na Everest Marathon. Participar de uma prova como essa exige muito mais do que uma preparação para uma maratona, porque têm os dias que antecedem a prova, que são necessários para chegar até o ponto de largada. O que falar de uma prova como essa onde poucos chegam?

Djalma: A Everest Marathon é a maratona mais alta do mundo e uma das mais difíceis, onde o ponto de partida da prova é o campo base do Monte Everest, a 5.364 metros de altitude. Para começar a maratona é preciso chegar andando (trekking) até a largada para que haja uma aclimatação adequada e não sofrer com os efeitos da montanha, no meu caso durou 13 dias, subindo e descendo montanhas, passando por vários vilarejos, enfrentando frio, calor, chuva, neve praticamente sem tomar banho, o lenço higiênico é seu grande aliado. Eu diria, essa é uma maratona de sobrevivência, onde o ar é rarefeito. É preciso levar uma mochila com tudo que possa ser necessário a um ambiente tão inóspito como esse. O percurso da prova é repleto de pedras, milhões de pedras de vários tamanhos e formatos que estão soltas de maneira instáveis com milhares de degraus gigantes, tanto para subir como para descer, sendo que num eventual acidente, há grande chance de lesão grave e até de morte. A sinalização é precária apenas com pedacinhos de tiras de pano colocadas aleatoriamente nos arbustos. E até os yaks ficam na passagem e nesse caso você tem que parar e esperar que os animais saiam e liberem o caminho. Existe, por questão de segurança, um ponto de corte na maratona, isto é, se o atleta não chegar num determinado ponto do percurso em um determinado tempo, ele é obrigado a continuar no dia seguinte e nesse caso recebe uma punição de quatro horas. Em resumo, maratona muito difícil e perigosa e que exige um bom condicionamento físico e muita concentração.

Sabine: A partir de que momento o senhor começou a ser conhecido como Djalma Iceman. Qual a história por trás deste nome?

Djalma: Surgiu de uma matéria de capa de um jornal local, seção de esportes, onde o jornalista João Lucas começou a me chamar de “senhor das neves”, “homem do gelo” e nesse tempo os atletas de minha assessoria e outras pessoas começavam a dizer: lá vem o homem do gelo, chegou o homem do gelo para treinar, e então resolvi assumir como Djalma Iceman, que na realidade indica o meu nome e a atividade esportiva que abracei.

Sabine: Correr na neve tem grandes desafios. Qual foi o lugar mais inusitado que já fez uma corrida?

Djalma: O Polo Norte é algo quase inimaginável. Estou falando em correr uma maratona em um bloco de gelo flutuando no oceano Ártico, no topo do mundo, ao lado do 90° de latitude N – local onde todos os meridianos se encontram. A North Pole Marathon, que eu corri em 2018, está no Guinness como a mais ao norte do planeta. Temperatura com sensação térmica de -50°C, piso extremamente fofo, sendo furado o tempo todo pelo atleta, existindo apenas um ponto para abastecimento e troca de alguma peça do vestuário, se for o caso. Essa área do polo norte é reduto de urso polar, mas durante a maratona, pessoas da organização com armas ficam atentas aos animais, não para matá-los, apenas para causar um susto e afastá-los da área.

Sabine: Explica mais sobre como é possível enfrentar uma prova onde a temperatura é extremamente baixa o tempo todo, como a North Pole Marathon?

Djalma: É preciso estar atento e ser fiel às regras que a natureza impõe, por exemplo, em uma maratona como essa de frio intenso é preciso usar a roupa adequada, isto é, três camadas tanto na parte superior como na parte inferior do corpo, além de calçados com travas, touca, balaclava, óculos de proteção UVA e UVB, polainas e camadas de luvas. Durante toda a prova estar atento aos sinais produzidos pelo corpo e sinais externos do ambiente em questão e em quase todos os casos têm a necessidade de se utilizar um ponto de apoio para verificações do corpo e ter a possibilidade de fazer uso de bebidas e alimentos quentes.

Sabine: Sete maratonas em sete dias em sete continentes. O senhor é o primeiro brasileiro com mais de 60 anos a participar da World Marathon Challenge. Como foi, e qual o maior desafio enfrentado?

Djalma: Esse foi o maior desafio que enfrentei. Foram 7 maratonas consecutivas em ambientes distintos. As maiores dificuldades dentro desse desafio foram: não ter lugar adequado para descansar; Jet Lag; fusos horários diversos, protocolos de burocracia nos aeroportos de 7 continentes; diferença de temperatura de quase 50°C da primeira para a segunda maratona

Sabine: O que essa experiência trouxe de aprendizado ou mudou a sua vida em algum quesito?

Djalma: É preciso acessar a força interna que existe em cada um de nós. Eu não conhecia essa minha força, fui testado e superei minha própria expectativa. Para isso, é preciso acreditar, ser disciplinado e focado em seus objetivos.

Sabine: A sua primeira maratona foi aos 50 anos e em 2017, se tornou o atleta mais rápido do mundo, com mais de 60 anos, na Antarctic Ice Marathon. É mais uma prova de que quando se quer realizar, basta ter vontade e ir atrás, não é mesmo?

Djalma: Em 2006 foi a minha primeira maratona, em Florianópolis/SC, eu estava completando 50 anos de idade. Quando conquistei esse título de mais rápido do mundo (61+) na Antarctic Ice Marathon, em 15 anos de edição nessa prova, este resultado foi fruto do meu treinamento e da minha equipe de profissionais que muito me ajudou. E na verdade não fui lá para isso, fui apenas correr e dar o meu melhor. Eu sempre digo quando vou participar de uma maratona, eu vou para vencer meus medos e ultrapassar meus limites.

Sabine: O que lhe motiva a treinar para provas tão desafiadoras?

Djalma: Correr para mim significa saber que posso encontrar novos caminhos na vida e me tornar uma pessoa melhor e mais rica de conhecimento sobre a minha própria pessoa, sabendo mais das minhas forças e das minhas vulnerabilidades. É a fé, disciplina e foco que me mantém de pé e motivado para continuar, mesmo quando, em alguns dias, eu relute em treinar.

Sabine: Quando corre sempre leva junto a campanha da Doação de Órgãos. Em 2018 o senhor fez a Campanha 1.000km do Bem, em prol do Hospital Infantil, de Florianópolis. Em 2020 correu 1.000km no Movimento Nacional Km pela Doação de Órgãos. Um exemplo de que correr também é fazer bem ao próximo, não é mesmo?

Djalma: O Brasil ainda é um país muito desigual, e muitos não tiveram a oportunidade como eu tive na vida. E como eu fui impactado por pessoas para o esporte, eu procuro dar a minha parcela de contribuição procurando impactar positivamente pessoas para que possam tocar seus projetos no esporte ou em outra área da vida. Procuro sempre ajudar em meu entorno, seja com um incentivo em palestra, seja com campanha beneficente. No Movimento Nacional Km pela Doação fui agraciado com o título de Embaixador da Corrida.

Sabine: Qual o próximo desafio e qual deve marcar 2023?

Djalma: Esse é o spoiler. A minha trajetória nas provas extremas, e em outras, está sendo escrita em livro a ser publicado este ano de 2023.

Sabine: Para finalizar, qual recado o senhor quer deixar ao leitor da Runners Brasil?

Djalma: Tenha certeza de que nada e ninguém detém uma pessoa que acredita na sua força, é disciplinada e focada no seu projeto de vida.

Por: Sabine Weiler

Q&A Runners Brasil

Q&A Runners Brasil – Marcelo Avelar

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“Não existe treino ruim, existe dia ruim por não ter treinado”. Marcelo Avelar, treinador e único atleta do mundo tricampeão da Meia Maratona da Disney, conversou com a Runners Brasil e traz dicas de como saber lidar com o processo para conquistar a distância desejada nas pistas. O que não pode faltar nos treinamentos, como evitar as lesões e muito mais para evoluir no esporte. Avelar, foi o melhor brasileiro na Maratona de Tokyo de 2023, treina centenas de pessoas pelo Brasil, e como todo corredor tem sonho de atleta.

Sabine Weiler: Qual a dica inicial que todo corredor deve saber para evoluir na corrida?

Marcelo Avelar: Todo corredor para evoluir precisa ter paciência e saber lidar com o processo. O dia da prova é “só” ir buscar a medalha. A conquista dela é em cada treino, cada abrir mão, cada gota de suor. O processo depende de muita paciência e saber que a construção vai ser de muita dedicação.

Sabine: Quais são as principais diferenças no treinamento entre correr distâncias curtas, e se preparar para uma maratona?

Avelar: As distâncias curtas dependem mais de intensidade do que volume. Quando falamos de 5km ou 10km por exemplo, falamos de intensidade, são provas mais curtas e que os treinos intervalados são mais valorizados que os treinos volumosos. A maratona depende mais de volume, de treinos mais longos e mais lentos se comparados para provas curtas.

Sabine: Alguns corredores podem até não gostar de fazer fortalecimento, mas é fundamental na corrida, para maximizar o desempenho e evitar lesões, não é mesmo?

Avelar: Os treinos de força, sejam eles de musculação ou funcional devem sim fazer parte da rotina de todo corredor. Claro que não são imprescindíveis, mas é comprovado que corredores que inserem esse tipo de treino no dia a dia sofrem menos lesões e tem melhoria no desempenho nos treinos e provas.

Sabine: Como aumentar gradualmente a quilometragem sem correr o risco de lesões durante o treinamento?

Avelar: O aumento de volume se dá gradualmente e geralmente a cada 15 dias aumentam-se 2km a cada treino longo.

Sabine: Um corredor iniciante quando corre 5km, logo pensa nos 10km, e depois nos 15km. Existe um período para evoluir na corrida? Qual a dica para segurar a empolgação de um corredor e respeitar o processo para evoluir?

Avelar: Sugere-se que após 10 provas em média de 10km aumente o volume aos poucos até uma prova de 21km. A partir daí, o volume vai aumentando para talvez, uma maratona. Eu sugiro que após a 5ª ou 6ª meia maratona, acrescente volume aos poucos para uma estreia segura na maratona.

Sabine:  Que tipo de treino é fundamental para o processo de evolução na corrida?

Avelar: Todos os treinos são importantes: ritmo, fartlek, intervalados, regenerativo e longos. Todos na medida correta se completam. Depende do objetivo para decidir quais praticar mais. Por exemplo, corredores se preparando para a maratona, damos ênfase em treinos mais longos, corredores de curta distância usamos mais intervalados e treino de ritmo. No geral os treinos se completam e o que decide o “uso” mais de um ou de outro é a demanda da distância escolhida. Ah, não podemos esquecer que descansar também é treino e são nos dias OFF que acontecem os ganhos.

Sabine: Quais são os sinais de alerta de ‘overtraining’ e como evitar o excesso de treinamento ao aumentar a distância percorrida?

Avelar: Sinais como insônia, falta de libido, não progredir, mau humor, fadiga extrema são sinais de que você está treinando muito e entrando em ‘overtrainnig’

Sabine: Quais são os principais obstáculos que os corredores enfrentam ao buscar a evolução e como superá-los?

Avelar: Se lesionar é o pior obstáculo e geralmente acontece pelo aumento de volume inadequado, falta de fortalecimento ou erros mecânicos na corrida. Uma técnica com movimentos básicos errados (aterrissagem, oscilação vertical excessiva etc.) podem acarretar lesões e afastar o corredor das atividades e isso desmotiva e traz muitas vezes o abandono da modalidade.

Sabine: Como um atleta pode ‘medir’ a evolução na corrida. Apenas com a melhora dos tempos?

Avelar: Melhorar os tempos nem sempre é sinal de melhoria. É necessário observar como tem chegado ao final dos treinos e das provas. Melhorar o treino indica melhoria sim, mas o corredor está chegando ao final dos treinos sem dores, sem aquela sensação de “quase morte”? Menor número de lesões e vontade de ir para mais provas? Isso tudo demonstra evolução.

Sabine: Além de um treinador, que outros profissionais são essenciais para o corredor evoluir na corrida?

Avelar: O treinador é quem prescreve os treinos e viabiliza o caminho para conquistar os objetivos, mas ter uma equipe multidisciplinar que conta com um nutricionista e fisioterapeuta são essenciais. De nada adianta ter um treino bem prescrito e não ter uma alimentação de acordo com a demanda de treino ou um fisioterapeuta para terapias manuais preventivas.

Sabine: Como que os alimentos e suplementos podem ajudar na corrida e em que momento que o atleta deve começar a fazer uso?

Avelar: Nem tudo que precisamos, conseguimos tirar dos alimentos, pois a demanda de nutrientes de quem corre é maior do que pessoas que não praticam a corrida. Por isso precisamos ter auxílio nutricional de alguns suplementos, como por exemplo gel de carboidrato, como intra prova.

Sabine: Você, como atleta, o que você mais aprendeu com a corrida?

Avelar: Aprendi que apesar de correr sozinho, a corrida se trata do esporte mais coletivo que existe. Sempre estaremos e precisamos de outros corredores. Além disso, aprendemos a conhecer limites do corpo e a respeitar todos, sem julgar se são lentos, rápidos, correm 5km ou maratonas

Sabine: Você é o único atleta do mundo a ser tricampeão da Meia da Disney. O que foi fundamental para manter a performance e defender o título a cada participação?

Avelar: A paixão pela corrida me fez manter a rotina de treinos. Conquistar a Disney foi consequência de um amor pela corrida e saber que a disciplina faz parte de uma sequência para a vida inteira, não somente um projeto e momento.

Sabine: Qual o sonho de atleta de Marcelo Avelar?

Avelar: Conseguir deixar um legado sobre a ferramenta que a corrida é. Uma ferramenta de transformação social e na vida das pessoas. Podemos através da corrida inserir pessoas no esporte, mostrando que todos somos capazes e que necessariamente não precisamos ser campeões, o que importa é sermos indivíduos transformadores do mundo, alegres e que podemos compartilhar isso pelo mundo.

Sabine: Você foi o melhor brasileiro na Maratona de Tokyo de 2023. O que representa essa conquista para você?

Avelar: Ser o melhor brasileiro em Tokyo com 2h30m32s na maratona foi uma conquista recheada de coisas boas. Tive a oportunidade de conhecer outro continente, uma cultura totalmente diferente e uma vivência que reforçou ainda mais meus pensamentos sobre respeito pelo próximo. Uma das experiências mais lindas da minha vida.

Sabine: Para encerrar, qual a mensagem você quer deixar aos leitores da Runners Brasil?

Avelar: Treinem! Não vão existir somente dias bons. Treine nos dias bons e treine mais ainda nos dias ruins. Na verdade, não existe treino ruim, existe dia ruim por não ter treinado.

Por: Sabine Weiler

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Q&A Runners Brasil – Giovanna Costa Martins

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Antes de aprender a ler e escrever, ela já corria. Aos cinco anos, Giovanna Martins descobriu o que há 35 anos a move. Campeã cinco vezes da Maratona da Disney, recordista de várias provas, campeã Sul-americana, medalhista do Mundial de Duathlon, duas vezes melhor atleta do Troféu Brasil, há apenas três anos migrou para as montanhas e trilhas, e já é uma das melhores atletas do trail do Brasil. Faz parte da Seleção Brasileira e em junho deste ano representou o país no Mundial de Trail, na Áustria e se consagrou Top 5 das Américas. Dona de uma fé inabalável, é fã de Ayrton Senna, corre em hipnose, e tem um coração que sempre cabe mais um. Com o propósito de ajudar as pessoas em todos os lugares que passa, Giovanna tem um projeto social que atende mais de 150 crianças na região de Salto (SP) e almeja trazer uma pista escola para o Brasil. Quer chegar ao topo do Everest e sonha em fazer um Ironman. Uma vida dedicada ao esporte que Giovanna contou para a Runners Brasil, já com a malas prontas para mais uma vez levar o Brasil para as montanhas da França.

Sabine Weiler: Por que você começou a correr? Alguém te inspirou?

Giovanna Martins: Comecei a correr em 87 em uma brincadeira de criança, incentivada pelos meus pais, que foram atletas amadores. Meu pai foi do atletismo do Exército. Tudo começou quando fui com a minha irmã mais velha ver uma prova deles na USP. Quando vimos o pelotão entrando para a largada, logo falamos: ‘Vamos apostar corrida? Quando o pessoal passar aqui, a gente vai correndo atrás’. E foi o que fizemos, mas sem noção. No meio da corrida, que era de 10km, nós encontramos com a minha mãe! Quando vimos a chegada, demos um ‘sprint’ deixando a minha mãe para trás, e completamos a prova sem caminhar. (risos) Depois desse dia, meu pai viu que tínhamos talento, e começou a treinar a gente para participar de provas. Com 5,6 anos já fazíamos corridas longas. Nessa época eu usava bota ortopédica, e foi na corrida que vi uma oportunidade de trocar pelo tênis. Essa deficiência me limitou um pouco, até uma professora quando meu viu de bota, achou que eu era deficiência. Mas quando ganhei a minha primeira medalha, na Corrida Antifumo na USP, de 10km, e fui campeã na categoria infantil e a segunda entre as mulheres adultas, eu fiz questão de levar e mostrar para a minha professora que eu tinha condições de fazer atividade física.

Sabine: Como foi a mudança para o Trail Run. O que te levou para as trilhas e montanhas? 

Giovanna: Descobri o trail, treinando para maratonas. O Décio Ribeiro, meu auxiliar técnico me incentivou também, acreditou no potencial que eu tinha para a corrida trail. Meus avós sempre tiveram sítio, e meu pai é formado em Meio Ambiente. Eu sempre gostei desse contato com a natureza, além da aventura, que é enfrentar uma corrida trail à noite, subir montanhas, cruzar matas fechadas. Eu falo que antes, meu maior concorrente era outra atleta, que eu olhava para trás para ver onde ela estava. Já na montanha, eu não posso olhar, senão eu caio. Então meu maior adversário na corrida em montanha é a própria natureza, e isso me apaixonou!  Eu sempre gostei de codificar, calcular meu treino, e no trail a gente tem que fazer muito isso. Hoje, meu maior objetivo é colocar o Brasil nos Tops 10 do mundo trail. Vou me preparar o Mundial de 2025 e espero estar na Seleção Brasileira de novo. Na UTMB (Ultra Trail du Mont Blanc) eu quero fazer as 100 milhas, é meu grande sonho, e se conseguir, chegar entre as Top 15, posição que fecha o pódio! Espero para o ano que vem, já encarar essa prova. Esse ano serei voluntária em Chamonix, na França, na MCC (Martigny Combe) da UTMB, quero ter essa experiência de trabalhar numa prova na Europa. Eu acho que é no Trail mesmo que eu vou encerrar a minha carreira de atleta. Ainda tenho um sonho de subir o Everest, então após minha vida competitiva, o próximo foco vai ser a subida. Chegar lá em cima no topo vai ser a consagração de tudo que eu fiz na vida.

Sabine: Você é considerada uma das melhores atletas do Brasil no Trail Run. Quanto tempo foi entre o início na modalidade até essa conquista?

Giovanna: O trail eu comecei como amadora, não tinha pontuação nenhuma no ITRA (Internacional Trail Running Association), em 2020. Mas hoje, eu me considero uma das melhores atletas multiesportivas do Brasil, porque eu tive bons resultados na pista, na rua, no duathlon e hoje tenho bons resultados no trail. Essa variedade de modalidade e estar sempre entre as melhores do Brasil, acho que sou uma das únicas brasileiras. Eu corri 800 metros na pista para 2m13s, isso treinando para maratona, difícil uma maratonista fazer essa marca. Eu corri meus primeiros 100km e fiz índice para o Mundial, com 8h42m. Eu amo o esporte, então esse resultado é a consequência de toda uma dedicação.

Sabine: Qual foi o maior desafio para chegar ao topo do Trail Run?

Giovanna: Eu já tive dois grandes desafios no trail. A CCC ((Courmayeur – Champex – Chamonix) no ano passado, fiz meu primeiro 100km. Cheguei a treinar 250/300km por semana, fiquei 30 dias na França. Infelizmente tive uma inflação no seio, por causa do anticoncepcional, e a prova não foi como eu queria! Mas corri abaixo de 15 horas, foi a melhor pontuação do Brasil, dos últimos tempos nos 100 km com a altimetria de 6.000m. Já o maior nível de competição que eu participei, foi o Mundial na Áustria (junho/23). Uma prova de grau superdifícil, montanhas com inclinação de 45%. A prova de 87km teve uma média de 18.5% de inclinação e 6.500m de altitude. Eu fui a 35ª do mundo. Eu saí de 86 no ranking do mundial para 35 sendo, a primeira Sul-americana, e a Top 5 das Américas. Então para mim foi um resultado espetacular. Até porque esse ano iniciei com provas mais curtas. Mas 45 dias antes do Mundial, quando recebi a notícia, eu me dediquei muito, aumentei o volume, a altimetria e encarei. Então pelo tempo que eu tive, não ter treinado em altitude, e eu senti muito na primeira subida que chegou a 2.900m, mas eu estava muito bem psicologicamente. No final eu fui crescente na prova e passei muitos atletas. O Mundial deixou aquele gostinho de quero mais, para tentar buscar um bom resultado em 2025.

Sabine: Quando você decidiu entrar para o Trail Run, já tinha como objetivo ir para um Mundial, ou foi descobrindo esse sonho com os treinos e provas, e seu desempenho nas montanhas?

Giovanna: Meu objetivo desde o início foi participar de um Mundial, mas eu sabia que seria difícil chegar, que eu ia ter que passar por toda essa transformação. Eu tive que entrar no ITRA como amadora, não tinha pontuação nenhuma, mas com a minha evolução, cada vez mais, fui acreditando que eu ia estar no Mundial.

Sabine: Como foi a experiência de participar do Mundial na Áustria, no mês de junho? Como é representar o país numa competição mundial?

Giovanna: Foi a coroação de todo trabalho que venho tendo desde 2020, de ter migrado da rua para o trail. É coroar a dedicação de todos os meus apoiadores desse projeto, do meu marido que me incentiva muito. Então passou um filme quando eu coloquei a camisa do Brasil de novo! Eu já tinha integrado a Seleção Brasileira duas vezes em Sul-americanos e em dois GPs, mas fazia tempo, então foi muita emoção. Eu chorei a abertura inteira. Eu queria ir buscar um bom resultado para o Brasil, estar entre as 40 melhores no mínimo, mas sabia que o nível era muito forte. Eu era uma das poucas do mundial e acho que a única do Brasil, que não moro numa cidade de montanha. Então meus treinos são muito adaptados, não tem altitude. Isso me dá mais motivação, mais orgulho, me desafia cada vez mais a buscar o resultado. Eu dei tudo o que tinha naquele momento.

Sabine: Qual foi a sua conquista mais significativa até agora e por que ela é especial para você?

Giovanna: As cinco vitórias na Maratona da Disney. Essas conquistas foram me projetando no esporte. Já sou atleta há 35 anos, já tinha vencido o Sul-Americano, tinha sido medalhista no GP Internacional, duas vezes melhor atleta do Troféu Brasil, mas a Maratona da Disney me destacou muito. Uma prova de muita visibilidade. E claro, o Mundial, por eu ter 45 dias para me preparar, ter enfrentado as melhores atletas do mundo, e ter ganhado de muitos atletas que vivem na Montanha. Na Europa o Trail é supervalorizado.

Sabine: Quais são os aspectos mais difíceis de competir em corridas de trail run?

Giovanna: A maior dificuldade é a questão da logística, de morar numa cidade onde não tem montanha. Então quando chega mais próximo das provas, eu tenho que viajar para treinar, acordo às 3 horas da manhã. Tem dia que eu treino sete horas seguidas, faço 60/70 km. Depois volto e vou trabalhar. Mas o legal é que eu tenho grandes descobertas. Digo que quando eu tenho um tênis no pé e dois bastões na mão, eu vou longe! A cada dia estou num local treinando, descobrindo como o Brasil é lindo, como a nossa natureza é maravilhosa. É de tirar o fôlego! Quanto mais alto, mais dificuldade a gente tem para subir, mais bela é a paisagem que você vai encontrar no cume da montanha.

Sabine: Quais são os principais elementos que você considera ao escolher suas provas de trail run?

Giovanna: Quando eu vou escolher uma prova, eu tenho que ter um objetivo, e um deles é ajudar as pessoas. Vou para a França para ser voluntária na UTMB, para ajudar o corredor que treinou o ano todo para dar o seu melhor, e para criar laços e ser parceiro do país, porque tenho um sonho de trazer uma pista escola para o Brasil, onde a criança vai treinar e estudar. Então, todo passo que eu dou no esporte hoje, é preencher essa paixão que eu tenho pelo atletismo que me desafia. Tento levar uma mensagem, fechar algum apoio, alguma parceria para ajudar as crianças do meu projeto, ou alguma outra entidade.

Sabine: Como você se prepara mentalmente para as corridas de trail run? Existem estratégias específicas que você utiliza para lidar com os desafios mentais durante as provas?

Giovanna: A parte psicológica para mim é 99%. Eu descobri isso na minha primeira maratona, quando passei mal. Para a segunda, que seria a minha prova alvo, a Maratona da Disney, eu comecei a aprender a treinar em hipnose e trabalhar a mente. Então quando chegava os últimos quilômetros, eu simulava provas dentro da prova, e os demais quilômetros eu terminava em hipnose. Então me concentrava a partir daquele momento. Não existia mais nada para mim. A hipnose é uma coisa que me ajuda muito. Tenho muita fé, meus momentos de orações, que vão ficando cada vez mais forte. Na véspera de prova, gosto de assistir os vídeos do Ayrton Senna, que eu sou superfã. Ele deixou um legado de superação. Também gosto de brincar de joguinho de celular ou na televisão. Eu tenho que chegar até a fase 10. Mas se eu passar da fase 5, eu sei que eu estou bem concentrada para o desafio. Eu vejo tudo até três dias antes da prova, depois só me concentro e não mexo mais nada relacionado, tento pensar só em coisas boas até o final da prova, e é isso que me leva até a chegada. Eu falo que eu corro com a frieza de um cientista, e cruzo a linha de chegada com a emoção de um artista. Eu danço, pulo, grito, comemoro, porque não é fácil ser atleta nesse país, superar os limites. Não foi fácil superar minhas deficiências. Mas estou praticando o que eu gosto e para mim, chegando em último, mas dando o meu melhor, é uma alegria. E quando atinjo meus grandes objetivos, aí é emoção pura.

Sabine: O que mais te motiva e te incentiva a continuar nos treinos firme e forte?

Giovanna: Eu sempre tenho um sonho, um objetivo para atingir. Sempre estou com uma prova engatilhada. Já estou pensando em atingir o cume do Everest, e fazer um Ironman como participação, porque o ciclismo é minha paixão também. Eu tenho um sonho de ter uma medalha do Ironman. Mas agora é competir no Mundial em 2025, e depois vou encerrar minha carreira competitiva! O que me motiva mais é essa benção que Deus me deu. Estar com 40 anos, com mais de 35 no esporte, ainda conseguindo treinar e competir sem ter nenhuma cirurgia, sem ter nenhuma lesão grave. É Deus abençoando a minha vida todos os dias.

Sabine: Como é a sua semana de treinos? Como concilia a sua carreira de atleta com outros aspectos da sua vida, como trabalho e família?

Giovanna: Eu tenho meus dias todos programados. Acordo entre 3 e 5 horas da manhã todos os dias. Treino de manhã, trabalho, descanso, almoço, trabalho em casa, treino. Meu marido me ajuda muito, é meu braço direito. Tem dias que estou com a lanterninha na cabeça e ele está me acompanhando, com o farol ligado. Tem um grupo de professores que trabalha comigo que me auxilia nos trabalhos, meus alunos e bons amigos que me dão força! Eu tenho um estúdio onde sou coordenadora, dou aula, avalio alunos, atendo personal em condomínios, trabalho na assessoria de corrida onde uma vez por semana vou em todos os polos. Sou embaixadora e professora do Projeto Sementinha. Sou Rotariana. O principal para mim é amar e servir ao próximo. Então eu quero me dedicar às pessoas, seja com a minha profissão ou como voluntária, dando exemplos dentro do esporte.

Sabine: Como é o trabalho no Projeto Sementinha que você criou?

Giovanna: O Projeto Sementinha é para alunos entre 6 e 17 anos e já vai fazer 10 anos, em agosto. Algumas crianças recebem a bolsa de incentivo e tenho alguns amigos solidários que me ajudam com a parte financeira e às vezes doação de tênis. Eu dedico todo mês, 5% do meu salário para esse projeto. Se o aluno não se tornar atleta, a gente indica para o mercado de trabalho. Temos uma parceira onde eles têm a oportunidade do Menor Aprendiz, fazendo cursos dentro da empresa e trabalham um período. O nosso projeto exige que a criança esteja estudando. É um projeto que a gente tenta mostrar o caminho do esporte com boa oportunidade, seja ele como atleta ou para educar para a vida.

Sabine: Qual seu próximo objetivo no trail run? Alguma prova foco ainda este ano?

Giovanna: O meu próximo objetivo é repetir a prova da MCC – UTMB Mont Blanc, viajo dia 24 de julho para a França e fico até dia 3 de setembro. A prova é dia 28 de agosto! Espero fazer um bom resultado para o Brasil. Depois vou fazer a UTMB Parati (24/09) e em seguida vou fazer a Maratona da NASA, no asfalto. Estou com saudades dos Estados Unidos.

Sabine: O Trail Run tem crescido muito no Brasil e no mundo. O que você acredita que tem feito muitos corredores migrarem para as trilhas e montanhas?

Giovanna: A correria do dia a dia, todo mundo corre contra o tempo, o trânsito, as poluições sonora e visual! Então você chega na natureza e vê aquelas paisagens de tirar o fôlego, aquele som dos pássaros, fora a socialização também que é uma característica das provas de montanha, um ajuda o outro. Eu acho que é isso que vem fazendo esse mundo do trail crescer.  As pessoas estão migrando bastante e no Brasil vem crescendo muito, embora perto dos países europeus ainda está gatinhando, mas tende a crescer mais. As mulheres estão vindo com tudo! É o hormônio do bem, para a cabeça. Tem a questão do medo, que muita coisa você supera na corrida. Então vale a pena, eu torço muito, e vestindo essa camisa do trail.

Sabine: Que dica você dá para quem está começando no trail run, ou busca performance nas corridas de trilhas e montanhas?

Giovanna: Para quem quer migrar para o trail, identifique qual é o tipo de calçado, mochila, todo material que faz a diferença.  Procurar um treinador que seja especialista em corrida trail. Fazer uma avaliação física do coração, do pulmão. No ano passado eu descobri que tenho fibrose no pulmão, então eu me programo para chegar no mínimo uma semana antes na altitude, ou ir treinando pelo menos a uma atitude em 1300m para não ter esse acúmulo de líquido no pulmão. E claro, aos pouquinhos ir aumentando a distância e não tentar logo uma prova longa. No ITRA, por exemplo, existe a exigência de inscrições em competições determinadas para pontuar, até por conta da segurança, quanto mais pontuação, mais a pessoa tem experiência. Se for sair para trilha leve sempre material de segurança, de emergência, apito, manta térmica, corta vento, alimentação. No trail eu como até macarrão no meio da prova. Ter uma nutricionista que entenda sobre alimentação para a corrida, e sempre hidratar muito. Se sentiu sede, é porque já está desidratado. E digo mais uma coisa: “Vem pro trail, que você não vai se arrepender”.

Por: Sabine Weiler

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Q&A Runners Brasil

Q&A Runners Brasil – Armando Marchezani

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Qual corredor começa a correr com chuteira? Armando Marchezani. Aos 17 anos, apaixonado por futebol, começou a correr em chão de terra para buscar a performance para o esporte com bola. Mas a dedicação nos treinos foi ganhando forma e conquistando o paulistano. Não levou muito tempo para o campo ficar para trás, a rua se tornar o local das corridas e o foco ser o novo esporte.  O que ele não imaginava, era que em pouco tempo, já estaria no pódio. De lá para cá são 11 anos como atleta. Paixão que também virou sua profissão. Essas e outras histórias e conquistas você acompanha a partir de agora. O treinador de corrida conversou com a Runners Brasil e contou sobre a forma divertida de falar sobre corrida nas redes sociais e ainda dá dicas para correr no frio, e como tornar um treino difícil, leve para a mente.

Sabine Weiler: Correr por quê? Provavelmente algumas pessoas te perguntam isso…

Armando Marchezani: Sim, recebo muito essa pergunta. Correr para mim significa estar vivo. Quando penso que estou tendo a oportunidade de viver, logo penso em sair correndo e desfrutar do milagre da vida.

Sabine: De que maneira a corrida entrou na sua vida?

Armando: A Corrida entrou em minha vida quando eu tinha 17 anos e tinha o sonho de me tornar jogador de futebol. Lembro que onde eu treinava, os melhores atletas eram aqueles que corriam mais durante o aquecimento do treino e aqueles que continuavam correndo após o treino. Lembro que comecei a correr com o objetivo de alcançar o condicionamento físico deles. Por cinco vezes na semana, corria em média de 1h30 a 2h todos os dias, de chuteira, na terra, sem muitas instruções. Com o passar do tempo, comecei a calçar um tênis e praticar na rua. E ao decorrer do tempo, percebendo minha evolução física e mental, dei continuidade aos treinos (dessa vez sem a bola) e me inscrevi na minha primeira Corrida de Rua. Sem muito conhecimento, me inscrevi de primeira nos 10km, na tradicional prova Troféu Cidade de São Paulo. O que eu menos esperava, aconteceu: eu venci a prova na minha categoria, recebendo assim, além da segunda medalha, um incentivo a mais que me fez nunca mais largar o esporte.

Sabine: Qual a ligação da corrida com a sua profissão de Educador Físico?

Armando: Comecei a correr antes de estudar Educação Física. Eu sempre dizia a minha mãe que se eu não me tornasse jogador de futebol, seria Profissional de Educação Física. E após um ano correndo e jogando futebol, resolvi largar o esporte com bola e focar apenas em correr e estudar, o que se tornaria minha primeira profissão.

Sabine: Qual a sua rotina de treinos?

Armando: Eu nunca treinei para performance, então, não espere de mim uma resposta com segredos de desempenho, ok leitor? (risos) Minha rotina de treinos, na maior parte dos anos foi com foco em saúde, lazer e condicionamento físico, procurando trazer equilíbrio entre mente e corpo e, entre saúde e trabalho, sem pensar muito em tempos ou recordes pessoais a serem batidos. Foi assim desde o começo até o ano passado, onde tive a grata surpresa de começar a me interessar em performar, e, aos poucos, venho introduzindo isso na minha rotina, na minha mente e nas provas que planejo em fazer. Treinos mais volumosos e mais intensos estão sendo inseridos aos poucos na minha rotina. As semanas de treinos variam de acordo com a prova planejada, porém, o que é presente na maioria das semanas, são treinos de corrida fácil, treinos intervalados, treinos de tiro, musculação e descansos.

Sabine: Treinar para uma maratona exige muita dedicação e algumas pessoas pensam que não terão tempo na rotina! Como pensar em treinar para uma maratona de uma forma mais leve?

Armando: Para pensar em treinar para uma maratona de uma forma leve, deve se deixar bem claro, qual será seu objetivo durante a Maratona. Se seu objetivo é completar a prova com segurança e se divertir durante o percurso, seus treinos também poderão ter este espírito mais descontraído. Se seu real objetivo é bater uma marca ou completar a prova sendo um grande desafio a marca dos 42km, os treinos serão desafiadores também. Para mim o grande segredo é o da “clareza”. Deixar bem claro a si mesmo o que você realmente quer, pode tornar aquele treino que seria incrivelmente difícil e pesado, em um treino leve para a mente e que faz todo sentindo para você. Mas claro que, vale ressaltar que para o físico, treinar para uma maratona nunca será tão fácil, visto que precisamos estar prontos para suportar uma grande distância.

Sabine: Tem alguma prova que você sonha em fazer?

Armando: Tenho três lugares que eu sonho em correr Maratonas: Buenos Aires, Paris e Tokyo. Me sinto ligado a Buenos Aires, pois foi lá onde fiquei noivo da minha companheira Fabiana e tivemos uma experiência, por mais que curta, incrível na cidade. Paris, porque em 2020 eu estava inscrito e, por conta da pandemia, não pude ir à França realizar este sonho. Tenho o sentimento de “ficou faltando” cumprir a Maratona por lá. E Tokyo, do outro lado do globo, me sinto com muita vontade de correr por influência da cultura do país e por tudo aquilo que acompanho sobre a história da prova.

Sabine: Qual prova mais te surpreendeu/te marcou até hoje?

Armando: A prova que mais me surpreendeu até hoje foi a ‘Media Del Mar’, prova em Cartagena, na Colômbia. Foi uma prova espetacular, onde toda a estrutura e as pessoas tinham uma energia única! Nunca, na minha vida, em todas as provas que eu fiz, vi pessoas tão alegres, felizes e dispostas a cumprir seu objetivo de prova de uma forma tão especial. Além disso, o lugar é lindo. A prova passa por todo centro histórico da cidade, além de passar próxima de navios e do exército. Os soldados vieram para as ruas apoiar os corredores assim como todos os moradores da cidade. Recomendo a todos que amam corrida, desfrutar dessa prova.

Sabine: Nas suas redes sociais você dá dicas de treinos e de uma forma muito bem-humorada fala de questões da corrida. O que te incentivou a fazer esses vídeos?

Armando: Alguns estudos dizem que nós aprendemos algo quando ensinado de forma significativa e que ocorra identificação com o assunto. Por muitas vezes, em diversos conteúdos, encontro a informação necessária, porém, me sinto um pouco desanimado com a forma que é transmitida o conteúdo. Prefiro então, utilizar do humor e de situações cotidianas para transmitir a informação e as dicas para os treinos e uma vida de melhor qualidade. Além disso, trazer humor para o treino é sempre positivo, pois, por muitas vezes, muitas pessoas treinam de forma triste e por obrigação.

Sabine: Como você encara treinar no inverno?

Armando: Procuro encarar da forma mais leve e simples possível. Deixo claro em minha mente: a chuva, o calor, a neve, meteoros, imprevistos ou qualquer outra situação não deixará que eu perca a minha vontade de correr.

Sabine: Prefere treinar na esteira ou nem pensa no frio, se agasalha e vai?

Armando: Eu realmente só utilizo a esteira em casos em que vejo que será mais seguro para mim e em ocasiões em que só terei aquela possibilidade de treinar. Por exemplo: chuva intensa, intervalo entre minhas aulas de Personal, incentivo ao aluno que quer treinar junto etc. Prefiro 100% treinar na rua, no parque ou em qualquer outro ambiente aberto.

Sabine: Que dicas você dá para quem não gosta de treinar em esteira, mas no inverno (frio ou chuva) acaba sendo uma boa aliada?

Armando: A minha dica principal para este tipo de situação é: deixe o ambiente, seu corpo, sua mente e todo o resto, o mais gostoso possível. Então se você gosta de ouvir uma música, assistir uma série, correr próximo a alguém, correr em uma academia específica… faça! Nem tudo precisa ser de um jeito que a gente ache difícil. Deixe aquilo “a sua cara” e faça do seu jeito.

Sabine: Já fez alguma prova com temperaturas bem baixas ou até abaixo de zero?

Armando: Ainda não tive a oportunidade de fazer uma prova em baixíssima temperatura, porém, nos três meses que tive a oportunidade de morar no interior da Irlanda, mantive minha rotina de treinos mesmo com o frio intenso. Eram toucas, luvas, blusas e meias para que pudéssemos treinar. Foi uma experiência única e que eu teria novamente.

Sabine: O que não pode faltar num treino/prova no frio?

Armando: O que não pode faltar, acima de tudo, é planejamento. Saber como irá se agasalhar, em que momento poderá deixar uma peça de roupa de lado, se vai para a largada agasalhado ou não, se seu corpo reage bem correndo com muita roupa e até mesmo se irá conseguir se manter em uma temperatura ideal correndo com pouca roupa. Já vi casos de pessoas que passaram muito frio na largada por estarem desagasalhadas e pessoas que ficaram com calor durante toda a prova porque acharam que iam passar frio e depois não quiserem descartar a peça de roupa. Mas cada indivíduo tem suas especificidades. Se estamos falando de um ambiente extremamente gelado, fará todo sentido largar aquecido e talvez descartar durante a prova. Porém, nada é regra. O que pode dar certo para um, pode dar errado para outro. O mais importante é treinar e se planejar diante da situação que virá enfrentar durante a prova.

Sabine: Quais as vantagens de treinar no frio?

Armando: A principal vantagem de treinar no frio é adaptar nosso corpo a um ambiente novo, quero dizer, isso se você vive, assim como eu, em um ambiente que na maioria das vezes está quente. Treinar no frio não irá gastar mais ou menos calorias. A diferença é que, por muitas vezes, as pessoas costumam fazer treinos mais “preguiçosos” quando o clima não está bom para elas, então assim, com certeza pode vir a gastar menos calorias.

Sabine: Que mensagem você deixa aos leitores da Runners Brasil?

Armando: “Correr é para todos. Corra da forma que mais lhe agrada. Deixe a corrida se conectar com o seu coração e com sua mente. Entenda que este esporte não é apenas físico. Se divirta, desfrute do percurso, das passadas, dos desafios e de tudo o que você quiser correndo. A corrida se tornará cada vez melhor se ela estiver sendo praticada do seu jeito. E tenho certeza, que sua vida se tornará cada vez melhor se estiver correndo.”

Por: Sabine Weiler

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