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Metáforas da Corrida

Correr é tornar-se líder

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Muito já ouvimos sobre a corrida ser o novo MBA, ou até sobre a relação entre corrida e disciplina, valorização do esforço, e temas assim. Porém, foi nessa minha última maratona, quando estou vivendo um novo desafio profissional, que descobri o grande porquê dessas relações todas que fazemos entre corrida e vida profissional.

Em casa, ouço muito do meu marido que se ele não tivesse corrido maratonas, ele não teria encarado o desafio do empreendedorismo há 3 anos. E apesar de entendê-lo totalmente, eu ainda não conseguia alinhar esses fatos de forma racional. Mas parece que algo clareou para mim atualmente: maratona é treinamento de liderança.

Eu entendi de fato que o melhor treinamento de liderança que já fiz na vida foi correr maratonas. A maratona é o exercício puro de gestão de risco e tomada de decisão, já pensaram nisso?

Pois bem, vou te contar um segredo:  você que corre maratona já fez seu melhor treinamento de liderança, e passou no teste. Veja, de forma nenhuma é condição sine qua non, mas um líder que já correu maratona, tem esse skill treinado.

Segue aqui o raciocínio: para correr maratona, você começa montando um time. O projeto é seu, vamos ter sempre isso em mente, é você que vai largar e terminar. Então, você escolhe um treinador, um nutricionista, um fisioterapeuta, um massagista. Começam os treinos e você sempre fazendo gestão das prioridades da vida, fazendo análises de cada passo do projeto com o especialista da área, e vai passando as etapas. Você faz feedbacks e trocas o tempo todo com seu time, sempre visando o objetivo. Você é o líder, the owner, o dono do negócio.

Chega a prova e ali começa o grande treinamento. São horas e horas só você e você, colocando em prática tudo que planejou, agradecendo mentalmente todo o apoio, mas dependendo totalmente das SUAS DECISÕES minuto a minuto. Maratona nada mais é do que uma sequência de decisões que você toma sozinho, fazendo a gestão do risco das consequências, porque elas acontecem em poucos minutos. É o famoso “ a conta vem”.

Você decide o ritmo a cada passada, decide o lado da rua que vai correr, decide pular um buraco ou desviá-lo, decide seguir atrás de um desconhecido ou fugir dele. Decide tomar o gel ou só tomar a água, porque está sentindo melhor assim. Decide tomar sal e pular isotônico, tomar correndo, ou parar 30 segundos e engolir melhor. Decide tirar as luvas, manter manguito. Decide tudo o tempo todo, by yourself. Sozinho. E o risco vem na consequência da sua decisão.

Existem muitas pessoas, incluindo eu, que tem dificuldade na habilidade de escolher, confesso que a corrida me ensinou bem a habilidade de decidir. Isso porque ali na pista amigo, não tem como consultar ninguém, a decisão precisa ser sua. E é essa a magia: arriscar e aprender!!

Corri 7 maratonas, aprendi algo novo em cada decisão, em cada responsabilidade que tomei pra mim, em cada erro e em cada acerto. Entendi por que é um MBA: maratona definitivamente é gestão de risco, é precisar tomar decisão.

Foram muitas e muitas e muitas horas correndo, e outras muitas e muitas e muitas horas trabalhando pra dizer sem titubear: a glória vem pra quem decide, esse foi meu maior MBA pra vida.

Por: Leila D’Aprile

@leila.daprile

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1 comentário

1 comentário

  1. Gabriela Maldonado

    07/05/2023 em 10:37 PM

    Adorei esse artigo!!! O ciclo, a jornada toda e finalmente a prova são isso mesmo! Mas eu não tinha pensado no ponto chave que é a decisão! Obrigada

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Metáforas da Corrida

Quando o mínimo é o máximo

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A gente passa a vida tentando achar algo que fazemos bem, e invariavelmente achamos. Quando isso acontece, permanecemos nesse lugar fazendo mais e mais, e somando conquistas como quem guarda seus tesouros nas mãos. Fazer mais daquilo que julgamos fazer bem feito, se torna um grande objetivo de vida para aquela pequena porcentagem da população que procura evoluir, e  encontra o caminho fortalecendo fortalezas.

Mas, como já disse Schopenhauer, “a vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”, e quando conseguimos chegar aonde queríamos, o tédio as vezes nos faz reiniciar a busca por outra coisa que fazemos bem, as vezes até algo mais desafiador.

Assim foi minha migração da corrida pro Triathlon. Eu queria conhecer algo mais complexo e mais difícil, e sem sombra de dúvidas, com o tri, eu consegui encontrar. Triathlon é difícil e complexo desde o primeiro contato. Não só pelas modalidades, que por si só já me desafiaram no início do sonho, mas também pela dedicação de energia e motivação que precisa ter para concluir esse projeto.

Nesse mundo de entender as modalidades, digo que eu sabia nadar, mas não muito bem e isso atrapalha um pouco. Meu treinador diz que às vezes é mais fácil ensinar as braçadas do zero do que trabalhar alguém que já nadou um pouco. Eu sabia pedalar, mas mal entendia a lógica das marchas da bicicleta, quiçá sabia cambiar ou tomar água pedalando. E tem mais, colocar o corpo transitando pelas três modalidades daria um capítulo a parte para quem está começando a entender esse mundo do tri. Então, já de antemão, essa migração já se mostrava difícil e complexa o suficiente, mesmo antes de eu começar a treinar. Só que insisti porque para mim, o tri era o vencer o “tédio de possuir” depois de alguns anos correndo rápido e conquistando marcas e vagas concorridas. Já tinha feito muita coisa difícil na minha análise de corrida e queria algo a mais.

Era setembro de 2018 quando comecei essa busca pela saciedade nas três modalidades. O ponta pé inicial veio de uma lesão no pé, e escolhi treinar bike e natação durante minha recuperação. Comecei numa spinnig e comprei minha bike em dezembro desse 2018, fiz todo o enxoval do tri e larguei no meu primeiro short em março de 2019 já sonhando com um 70.3 em setembro de 2020. Eu me preparei muito, sonhei, mas a prova não aconteceu. Como muitos triatletas, por 2 anos seguidos de confinamento pela pandemia, fiz muito volume de bike, nadei em piscina com uso individual, subi e desci escada correndo, depois corri de máscara isolada de todos. Fiz musculação na cadeira de jantar de casa, pack de mini band, e colchonete no chão com cachorrinho lambendo minha cara. No final de 2021, encaixei uma Boston Marathon com quarentena no México tentando ressignificar tudo aquilo, e me descobri uma corredora feliz com aquele algo que eu fazia bem. Veio 2022 com reaberturas, new normal, e enfim novas datas para nossas provas de volta. No meio do meu ciclo de treinos pro sonhado Ironman70.3, tivemos uma intercorrência de saúde em casa, e a dança das prioridades me fez enxergar que não era mais o momento do Triathlon. Desisti da prova e falei aqui com vocês sobre isso, me vi saindo do Triathlon sem ter concluído meu desafio. Pra quem treina pro Endurance do tri, encaixar um ciclo de maratona foi tranquilo, e assim o fiz. Fiz uma maratona linda em Buenos Aires, um ciclo muito mais maduro, enxergando o espaço que isso tudo ocupa na minha vida. Corri sem sofrer e tirei 7 minutos do meu PR com direito a ser a segunda brasileira a cruzar a linha (a primeira era uma PRO). Estava ali decidida a me manter no algo que faço bem, mas uma pulguinha atrás da minha orelha me perguntava se eu estava mesmo satisfeita.

Em fevereiro deste 2023, um novo caminho se abriu para mim. Recebi um convite muito muito bacana de integrar o seleto grupo de triatletas do time da OnRunning e competir com eles na temporada de 23 no circuito do Ironman. O grupo é montado por feras do esporte e eu, uma novata já na categoria de 40+, com uma vida atribulada de trabalho, filho, família, estudo. Foi irresistível entrar para aprender e está sendo assim. Conversei em casa, negociei ali e aqui, então aceitei, me inscrevi no 70.3 SP e agradeci muito!

O desafio estava apenas por começar. Quando a gente é criança e ganha uma bicicleta do Papai Noel, quer sair pra pedalar na rua antes do sol nascer e de pijamas. Foi assim comigo quando recomecei a planilha do tri nessa fase da vida. Porém, precisei de poucas semanas pra entender que a Leila triatleta de 2019/2020 não existe mais, não posso resgatá-la. De lá pra cá, foram alguns poucos anos, mas o suficiente para reconhecer que minha vida havia mudado muito, e o principal:  já havia encontrado minha maturidade em deixar bem definido o lugar que o esporte tem na minha vida. Só que agora, o Triathlon veio desafiar essa verdade, e parecia não caber nesse espaço, ficou apertado pra ele. A dedicação pro treino do endurance do tri passa de 14 horas semanais de suor escorrendo pelo corpo, fora os complementos, e o leva e traz de tudo isso, que soma mais muitas horas semanais na conturbada vida paulistana. Tinha aqui um belo desafio: fazer a Leila perfeccionista, dedicada e disciplinada entender que é preciso fazer o mínimo possível se quiser fazer essa prova.

A maturidade vem aparecendo nesses detalhes, quando enxergamos o desafio através da ótica do ecossistema todo onde estamos inseridos. Minha agenda não é só minha, é compartilhada com os compromissos, sonhos e desejos do meu filho, do meu marido, da minha família. Não acredito mais que as renúncias precisam ser muito doloridas para que o resultado seja proporcionalmente muito satisfatório. A régua da felicidade nessa pista mudou, e não mudou só para a corrida, como foi ano passado na maratona de Buenos Aires, mudou para todo e qualquer esporte que eu entro pra competir comigo.

Eu quero fazer um 70.3 Ironman, e eu vou fazer. Estou treinando pra isso. Confesso que estou aprendendo a lidar com planilha incompleta. Estou aprendendo a lidar, com muito apoio do meu treinador, que a planilha é uma proposta do ideal, mas que nossa vida não mora nessa caixinha do ideal. Atualmente estou convicta que o possuir não precisa ser tão entediante, pois a ânsia pelo ter pode nos fazer conhecer limites que não queríamos.

Por: Leila D´Aprile – @leila.daprile

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Um antes e depois que vale a visita

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Foto: Arquivo pessoal Leila

Parece um pouco saturada aos corredores, a ideia de quanto a corrida muda nossas vidas. Mas por aqui, invariavelmente essa máxima surge em momentos de mudança de ciclos, como o que vivo agora chegando perto dos 40 anos.

Corro há pouco mais de 7 anos, mas às vezes parece que faz 100. É uma avalanche de transformações e elas não vem na mesma proporção o tempo todo. Ainda arrisco pensar que a avalanche não é tão avalanche assim, porque as mudanças vieram tão devagar que só consigo perceber olhando pra trás. Você já olhou a fundo isso?

Lanço aqui então um desafio: pegue uma fotografia sua qualquer de pelo menos 10 anos atrás e olhando pra ela, análise no que você ainda se identifica e no que não mais. Eu fiz isso outro dia numa foto de casal do início do namoro e comparei com uma recente, de chegada de maratona também de mãos dadas com meu marido.

A primeira diferença não é o corpo, nem o sorriso, nem o botox. A primeira diferença foi pensar que a Leila da primeira foto jamais se imaginaria na segunda. Se numa previsão de futuro, alguém me dissesse que em 10 anos eu estaria chegando de mãos dadas com meu marido na minha quarta maratona, e na segunda dele, eu fatalmente daria risada e pediria o dinheiro de volta.

Mas aconteceu e a principal mudança ainda não é essa. A mais importante diferença entre as fotos é ter aprendido cada lição de vida que a corrida nos dá dia após dia. Sim, a corrida traz à tona desde seus sentimentos até seus mais vulneráveis momentos de vida, que às vezes você não queria ver. O que você está vivendo reflete no seu desempenho, no seu objetivo, no seu processo e no seu resultado. Aprendi que não só o corpo responde, como ele também pode moldar a vida. Ele é resposta, mas ele também é ação. Se meu corpo funciona como uma ferramenta pra entender minha vida, funciona também como uma ferramenta para mudá-la. O que fazemos na corrida, fazemos na vida. O que fazemos na vida, fazemos na corrida. E assim, vão se passando os anos e o marcador “corridas da minha vida” nos mostra por onde caminhamos.

Uma das percepções que tive nesse exercício de comparar duas fotos é lembrar do que eu pensava sobre a vida, do que eu queria da vida, do que eu achava de mim. Antes de correr, eu não tinha sonhos “estruturados”, no máximo pensava em algo pro ano que vem, para as próximas férias, ou pro futuro loooonge. As maratonas me ensinaram a enxergar sonhos como objetivos. Quando eu resolvi que queria me desafiar nos 42km correndo, precisei mapear todo o caminho. Eu conhecia apenas um amigo que já tinha feito tamanha loucura, mas não sabia nem metade do que se precisava fazer para carregar uma medalha dessas.

Não é à toa que não precisa de mais de 2 minutos de conversa pra saber que uma pessoa corre maratonas. É muito empenho, é muito plano, é um projeto sim e não se pode fazer sozinho, sem apoio da família, dos treinadores, equipe médica e etc. Você precisa entender semana a semana o que está acontecendo, o que vai fazer, o que deu certo e o que não deu. Tem análise, tem mudança de rota, tem ajuste e tem clareza no foco. Aprendi assim, correndo.

Saber transformar um sonho em meta não é fácil. Aprendi a mensurar uma micro meta e uma macro meta, entendi que o processo da vida nunca será linear, entendi que falhar uma vez não é rótulo de fracasso, que amanhã tem outro treino, que ainda tem mais km e km de tentativas. Aprendi essas e tantas outras verdades da vida, materializando a vida na corrida.

Minha principal mudança no estilo “antes e depois” de começar a me dedicar a esse pilar da vida não é um espelho, e não consigo mostrar em montagens de fotos. A principal mudança para mim foi entender que “se marcar a data, chega”, e então eu precisava todo dia saber o que eu queria. Na pista, no asfalto, na vida.

Meu pai sempre disse que “o SE não existe”, e ele tem razão, pois eu não sei o que seria da Leila SE não tivesse começado a correr lá na primeira semana de 2015 como uma resolução de ao novo.  Eu só sei que a Leila que foi se transformou na Leila que sou, e tenho enorme gratidão pelo que aprendi nesse “novo MBA” que é a corrida de rua, como bem nomeou Nizan Guanaes.

Hoje, em 2022, tenho plena convicção que toda força mental e física que faço nos treinos e provas de corrida, me levam adiante no caminho da resiliência e do estoicismo, que tanto precisamos para viver bem. Aquele movimento de aguentar mais um pouquinho porque tenho uma meta clara, me fez uma pessoa melhor. E quando acho que a vida não está tão boa e não sei o que fazer, saio pro treino com vontade de fazer aquele algo a mais e mudar tudo, assim como na vida.

Não deixarei de ser piegas pra dizer que essa poderosa ferramenta de autoconhecimento e autogestão da vida que é a corrida, me transformou numa pessoa que se ama o suficiente pra amar mais que está ao meu redor. Isso não tem preço.

Em dois meses, chego nos 40 anos, e o que quero comemorar é essa visão de vida que tenho hoje e essa força vital que a corrida me traz. Façam isso, olhem além da imagem da foto e sintam a mudança que a corrida traz. Sobre o passado: vale a visita.

Por: Leila D’Aprile

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Desistir de uma prova: pros fortes ou pros fracos?

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Outro dia me perguntaram por mensagem se eu já desisti de uma prova. Talvez eu passe uma imagem de mulher forte, pensei. Meu ímpeto de atleta me fez responder mentalmente “não”, porque “vencedores não desistem nunca”, mas logo caí na real. Parei, olhei pra mim e me permiti ser honesta. Sim, eu desisti do 70.3 Ironman há algumas semanas, depois de 2 anos esperando por isso. Não foi fácil me aceitar desistindo do desafio.

Ainda não sei como falar isso para meu filho, afinal nos seus 8 anos, ele já repete o que eu sempre digo para ele: “só não consegue quem desiste antes”. Mas minha mente anda me perguntando se queria mesmo conseguir fazer um meio-iron.

O peso da palavra desistir para um atleta pode custar caro, mesmo quando estamos falando de atletas amadores. Fica a impressão que se quebra a imagem de “guerreiro”, de “vencedor” e mais, de repente você pode se achar “fraco”. Não há autoajuda que tenha frase de motivação com “pode desistir…”, ou “durma enquanto eles treinam”. Somos inundados o tempo todo pelo contrário. Resiliência parece até que é só qualidade, quando na verdade, no excesso é um baita defeito.

Mas vamos lá, tem muito nó para ser desatado nesse assunto aqui. Desistir não é o fim do mundo, e arrisco dizer que às vezes, é o início de tudo.

Em 2018, eu, que quase nunca fui sedentária, já corria há 3 anos e estava indo para minha 4ª maratona quando fiz um overtraining. Hoje eu consigo enxergar que a corrida naquela época tomou um espaço muito maior na minha vida do que devia. Minha performance vinha melhorando a cada planilha, e me coloquei uma meta que custou caro. Eu estava bem cansada, dormindo mal e cheguei no ortopedista a 17 dias da prova com um hematoma no pé achando que o cadarço do tênis me apertava demais. Queria uma dica pra resolver esse “roxo” até a maratona. Passei aquele frio na briga quando ele falou em fratura, mas dei sorte, porque era “só” uma inflamação. Eu fiz de tudo, de tudo mesmo pra conseguir recuperar a tempo de largar, e assumi o risco de que 42 km correndo poderia piorar muito minha lesão. Corri com muita tensão e pouca dor. Tensa, e chorei muitas vezes. Voltei pra casa com uma medalha, uma maratona com 1h e 15 a mais do tempo que eu queria e fraturas por estresse no pé. Vivi momentos lindos nessa prova e nessa viagem, mas fiquei 3 meses sem correr nada. Foi então que comprei uma bike, voltei a nadar e virei triatleta na primeira oportunidade que pude voltar pras pistas.

Aprendi muito com esse episódio. Descobri que o limite é uma linha no escuro que você só conhece de fato quando ultrapassa. Aprendi que desistir pode ser mais inteligente do que me manter na arena lutando, quando não precisava nem nela estar.

Não gosto de dizer que me arrependi do que fiz, porque eu não teria aprendido tudo isso se não tivesse arriscado, porém, hoje é lição aprendida e preciso saber usá-la. E mais, não posso dizer que não fui avisada, porque fui. Aprendi também a ouvir o treinador com mais humildade.

Em 2019, eu estava ávida por seguir no triatlo, “isso que é desafio” – eu me repetia muitas vezes. Acordava às 4h da manhã pra pedalar na USP, pegava estrada aos sábados de manhã pra ir treinar e voltava pra minha família na hora do almoço, só que moída. Em janeiro de 2020, fiz um job extra pra pagar a inscrição do 70.3 Ironman do mesmo ano, afinal esse valor beira os dois mil reais (as distâncias são 1900m nadando, 90km pedalando e 21,1km correndo). Foram 12-15h de treino por semana por quase 3 anos, mas a pandemia deu outro final pra essa história. Fui umas das milhares e milhares de pessoas que tiveram suas provas canceladas, mas tentaram se manter em forma com aquelas loucuras de subir 20 vezes os 30 andares do prédio que moro. Foco no meio-iron. Fiz dois anos de treinos indoor, com muitos e muitos dias de mais de 3 horas pedalando no rolo. Muitos longos na esteira. Muita musculação no tapete da sala, em lives, com pesinhos feitos de sacos de arroz ou garrafas de desinfetante. Sentia-me pronta para as reaberturas, e enfim poder completar o ciclo de treinos pro meu meio-iron. Foram remarcações e reajustes de rota até que a prova ficou pra setembro de 2022.

Mas, como a vida não é linear, no final de 2021 a minha deu uma cambalhota. Ainda sem rumo, no começo desse ano de 2022, tive COVID, influenza, apoiei a recuperação cirúrgica do marido, vivi uma forte mudança de rotina do filho e da também da minha carreira profissional. Aquelas horas e horas de treinos de 2019, 2020 e 2021, com todas as demandas extras que ninguém conta, não eram mais minhas prioridades. De repente, a inscrição do 70.3 que antes era um sonho, começou a se tornar um peso. Pensamentos como “tenho que nadar”, “tenho que ir pra Romeiros”, passaram a ter um tom de obsessão na minha auto-análise.

Desistir, no dicionário: verbo transitivo indireto e intransitivo: não prosseguir em um intento, abrir mão voluntariamente de (algo); abster-se, abdicar, renunciar. Na minha vida: ato de sabedoria. Não é meu momento agora. Eu simplesmente aceitei que eu não quero mais o que outrora quis tão veementemente. Se eu quisesse, arrumava um jeito, mas eu enxerguei que não quero mais fazer isso. E apliquei aqui a lição aprendida lá em 2018: não vou forçar além do que posso entregar com felicidade. Uma experiência de estreia em meio-iron sem felicidade no processo poderia me tirar para sempre da alegria do triatlo, além do risco de me machucar fisicamente também. Já me conheço para saber que meu mantra seria algo do tipo “eu aguento mais um pouco” e rapidamente transformaria minha resiliência num problema.

Há 10 dias, respirei e apertei o “send” do email de cancelamento. Está decidido. Quando eu quiser de novo, e se eu quiser de novo, será um novo começo. Pedalar e nadar por enquanto serão atividades com tom de diversão apenas. Apaguei definitivamente do celular o despertador 4am. Desisti do meio-iron.

Pois é, não vale a pena esticar o elástico. Existem muitas razões inteligentes para se tirar um guerreiro da arena. A evolução muitas vezes está em assumir o que não somos mais, ou o que não queremos mais ser. E desistir se trona um ato de valentia. Será que esse é o segredo da longevidade?

Leila D’Aprile – Médica e Corredora Amadora

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